O Fabulista

Victor Aranha

Primeiro Amor

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Ninguém nunca se esquece de seu primeiro amor. Do momento em que, pela primeira vez, sua pele enrubesce e sua temperatura sobe, suas palmas ficam molhadas de suor e tudo dentro de você parece estar sendo torcido por mãos invisíveis. É como estar deliciosamente doente, ou ter sido agradavelmente envenenado. É algo que carregamos pelo resto de nossas vidas.

O que poucas pessoas lembram, ou sequer têm conhecimento de que aconteceu, é do momento em que elas foram o primeiro amor de alguém. O causador de afeições, e não a vítima delas.  Como quando você foi um primeiro amor, tantos anos atrás.

Dificilmente você vai lembrar-se daquela manhã ensolarada de verão, o sol implacável dominando os céus enquanto você caminhava pela rua. Aquele brilho inclemente estava colocando o mundo de joelhos, mas não você. Naquele dia você vestia o verão como um manto de luz e calor, e foi então que ele te avistou. A maneira como seus olhos reluziam – eles jamais estiveram tão lindos como naquele dia, sob a luz cor de mel – bastaria para matar de amor seu admirador, mas foi o seu olhar que o cativou por completo. Cheio da peculiar mistura de confiança determinada e leveza de espírito, esses eram os olhos que ele poderia seguir pelo resto da vida. Quantas vezes mais, depois daquele dia, você assolou o mundo com a beleza desse olhar?

Naquele breve momento você foi o único foco de olhos pequenos e complexos. Sua imagem refletida uma centena de vezes, com cada detalhe, cada minúcia da sua forma, cada pequeno trejeito de seus movimentos em cada iteração sendo carinhosamente memorizados.  Ele não podia piscar, e mesmo se pudesse não se atreveria.

O que para você foi apenas um segundo, para aquela minúscula mente frenética e de desejos simples foi tempo demais, mais do que ele poderia suportar. Ele tinha que fazer algo, tinha que se aproximar daquela figura divina, ganhar sua atenção, por mais impossível que fosse. Apenas um minúsculo instante sob seus graciosos olhos faria da vida dele um paraíso.

Alçando voo em asas delicadas como vidro ornamental, ele foi até você. Ele flutuou tão perto quanto ousava, refletindo o sol em sua carapaça para te impressionar com tons líquidos que iam do verde azulado ao azul esverdeado, passando pelo roxo que de alguma forma existe entre eles. Tão próximo estava que seu perfume o atingiu com a força de uma erupção, todas as nuances químicas de seu hálito, suor e feromônios sendo avidamente absorvidas por antenas famintas.

Foi então que você o olhou. O zumbido amoroso que ele produzia para encher seus ouvidos finalmente chamou sua atenção. Você olhou diretamente para ele e nada mais, naquele que foi o momento mais alegre daquela minúscula vida. Ele não queria que acabasse jamais, ele poderia olhar apenas para seus enormes olhos como duas piscinas para sempre e esquecer o resto do mundo.

E foi por isso que ele não viu as costas de sua mão chegando.

Naquele momento você partiu o coração de seu pequeno admirador. Você também partiu uma asa e duas pernas. Mas mesmo enquanto agonizava no chão, ele não conseguia deixar de te olhar com amor absoluto e devoto.

E lá estavam vocês. Ele despedaçado no chão, olhando para você como aquilo que poderia ter sido. Você, com um último olhar de relance, vendo apenas aquilo que ele era. O pássaro que pousara próximo, olhando-o como aquilo que ele estava prestes a se tornar.